O que é neoliberalismo e pós-modernismo?

22/02/2012 15:09

O QUE É NEO-LIBERALISMO E PÓS- MODERNISMO

 

O que é neoliberalismo e pós-modernismo?

 

FONTE: portal brasileiro de filosofia

1. Pergunta

 

Um amigo me perguntou: “Paulo, caso você fosse solicitado a eleger o principal erro teórico dos intelectuais ou professores nesses últimos dez ou quinze anos, o que você apontaria?” Nunca imaginei, para outras épocas, que uma pergunta desse tipo pudesse ter uma resposta seca. No entanto, para esse período, me veio imediatamente à cabeça a resposta. O erro de uma boa parte dos intelectuais desses últimos quinze anos tem sido o de querer validar a universalidade desta equação: neoliberalismo = conservadorismo = pós-modernismo.

2. Pós-modernismo

Pós-modernismo é um movimento cultural que, no campo filosófico, diz respeito ao fim de algo que é tipicamente moderno: a crença nas grandes metanarrativas. O filósofo francês Jean François Lyotard o definiu assim em 1979, em A condição pós-moderna. Nenhuma outra definição foi melhor que esta. De fato, o keynesianismo, o marxismo, o liberalismo e outras grandes metanarrativas podem ficar muito bem nos livros das melhores bibliotecas e livrarias, mas não possuem mais a força de justificação das narrativas que temos sobre o mundo e nós mesmos que, em um passado não muito distante, já tiveram. O mesmo se pode dizer da filosofia do sujeito, em suas várias versões modernas, e mais ainda o humanismo. São grandes guarda chuvas teórico-morais, e mesmo doutrinários, mas não são mais guarda-chuvas que podem nos proteger de temporais. Diante de nuvens mais carregadas, preferimos não sair de casa ou, então, sair de carro. Com esses guarda-chuvas, que nossos pais e avós usaram, não temos garantia nenhuma de chegar mais ou menos secos nos lugares de destino que queremos chegar. Ou seja, se somos assim, menos crédulos em grandes guarda chuvas, estamos envolvidos em uma condição pós-moderna.

Assim, em princípio, uma pessoa com sentimento pós-moderno não pertence nem à direita e nem à esquerda na política. Posso muito bem não justificar minhas ações, pensamentos e falas por meio, por exemplo, do humanismo, mas ainda assim defender pressupostos normativos criados pelo humanismo. O humanismo do Ocidente fica pasmo ao ver o Irã insistir no apedrejamento de mulheres por condenação de adultério. Mas isso não nos faz justificar essa nossa indignação apelando aos “Direitos Humanos” da ONU como sendo leis naturais ou lógicas que todos deveriam seguir. Podemos encontrar dezenas de outras justificativas, sem que nenhuma seja chamada de “fundamentos” ou “fundamentos imutáveis” que deveriam tornar nossa defesa mais verdadeira que outras. Posso, por exemplo, chegar a defender o não apedrejamento até por uma razão do tipo “o Irã está só se complicando internacionalmente com esse tipo de atitude”. Assim, quero a mudança das leis do Irã, não sou um conservador, mas não sou alguém que adere a uma grande metanarrativa para justificar meu desejo. É fácil ver, nesse caso, que a política de uma pessoa pode ir para um lado, e a opção filosófica não precisa ir para o mesmo lado.

3. Neoliberalismo

Neoliberalismo é um movimento com várias cabeças, mas elas não necessariamente podem ser taxadas de conservadoras. Duas dessas cabeças, inclusive, podem estar voltadas para coisas muito diferentes. A cabeça econômica não se liga automaticamente à cabeça política, em alguns lugares chegam até a ficar em oposição, só deixando junto as nucas.

Para efeito de entendimento pelos leigos, o neoliberalismo econômico foi exposto de maneira magistral por um artigo do sociólogo brasileiro Alberto Tosi Rodrigues, “Neoliberalismo: gênese retórica e prática” (1999) [PDF]. Neste, Alberto Tosi Rodrigues diz que a parte doutrinária radical do neoliberalismo, nos anos setenta e oitenta, inclui três princípios: a liberdade até o limite de seu abuso; a desigualdade até o limite do tolerável; a flexibilidade até os limites da insegurança. Esses três princípios deveriam estar articulados com a idéia de “Estado mínimo” ou, melhor dizendo, de Estado com o mínimo trabalho de intervenção sobre o mercado, tomado então, como no liberalismo clássico, como natural, como a forma correta de fazer os negócios humanos se desenvolverem. Desse ponto de vista, Alberto não tinha dúvidas que o inimigo do neoliberalismo era a social-democracia e, sendo assim, o neoliberalismo estava atrelado a elementos não só liberais, mas conservadores.

O neoliberalismo, assim, nada seria senão um aliado do estado gerido por um governo autoritário, capaz de promover a flexibilização das leis trabalhistas, postas pela social-democracia na Europa e pelo New Deal de Roosevelt na América.

Todavia, o que Alberto Tosi Rodrigues não analisou, até porque não era este seu escopo, é que a idéia de “Estado mínimo” tinha uma versão na filosofia política que não necessariamente deveria ser tomada como conservadora ou de direita. No campo da filosofia política, o filósofo estadunidense Robert Nozick publicou o célebre Anarquia, Estado e Utopia (1974), no qual tentou refutar a proposta liberal de outro americano também célebre, John Rawls, autor de Uma teoria da Justiça (1971). Nozick não estava interessado em justificar procedimentos econômicos de governos autoritários com propostas de liberdade extrema de mercado. Ele estava preocupado em levar adiante o libertarianismo, uma versão individualista do liberalismo, amiga da liberdade extrema, que, ao menos nos Estados Unidos, nunca esteve distante de certa parte da esquerda americana. Afinal, uma boa parte da esquerda americana sempre se preocupou antes com a liberdade que com a igualdade. Pois, sabemos bem, a idéia de que o Estado pode, ao fazer intervenções econômicas, começar também a fazer intervenções políticas na esfera da vida privada, e que isso pode gerar um estado não só autoritário, mas até mesmo totalitário, nunca ficou fora das preocupações mais liberais e de esquerda dos americanos.

Seria forçar os argumentos tomar Nozick, em princípio, como um conservador em oposição a Rawls que, então, ficaria com a idéia de paladino da melhor versão liberal americana. Ainda que essa idéia para nós seja a mais fácil, ao menos para nós brasileiros, em uma visão americana essa dicotomia radicalizada, talvez devesse ser vista como um maniqueísmo, como uma versão em estilo de vulgata da filosofia política.

4. Final

Essas idéias aqui expostas poderiam ser ampliadas por meio de uma maior distinção entre Nozick e Rawls (até já levadas a cabo em outro lugar: Cult), mas, aqui, devo me manter apenas no suficiente para a resposta à pergunta do amigo, como citei no início.

Como se pode ver, essa equação – neoliberalismo = conservadorismo = pós-modernismo – não tem a validade universal que ela ganha na maioria das salas de aula da universidade brasileira. Ela é sustentada nos discursos de intelectuais de uma esquerda um tanto descuidada ou simplesmente doutrinária.

©2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ

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